Clara não sabia mais onde
enfiar a cara. Ela sempre ficava sem jeito e as bochechas ardiam quando as
amigas começavam a falar em garotos.
O olhar buscava outro tema, o que era uma tarefa quase impossível
tendo como cenário o jardim do colégio e os alunos preocupados em chegar logo a
suas casas.
– Você está fazendo de novo! – a amiga Juju disse e, puxando o
rosto de Clara, a encarou.
– Pensa que não sei que está querendo fugir do
assunto?
– Que assunto? Não estou fugindo de nada!
– Então fala logo! O que você acha dele?
– Não acho nada! – Clara encerrou, transbordando impaciência. “Esse
garoto de novo?”
Não entendia o fascínio
que o aluno novo causava nas amigas. Antes, quando o sinal de saída tocava, ela
e Juju fugiam da sala de aula o mais rápido possível e, em pouco tempo,
ocupavam os dois melhores bancos do jardim do colégio. Logo as outras meninas
chegavam e, então, era só assistir ao corre-corre de alunos e professores rumo
às suas casas, e, óbvio, fofocar um pouco sobre todos que passavam por lá. Mas
agora estava chato demais, o assunto não mudava, “todos” tinham virado “um”:
Felipe! Suas amigas só queriam falar desse insuportável. Foi só o garoto moreno
e alto entrar pela porta da sala de aula para que todas as meninas o elegessem
“a bola da vez”. Antes falavam em batons, sombras ou pintar o cabelo... Agora só
comentavam sobre Felipe. Seria sempre assim? Um único assunto chato? Quando
falariam de algo que a interessaria? Foi então que os olhos de Clara se
depararam com o “sujeito” das orações das amigas descendo a escada entre as
salas de aula feito uma avalanche.
Felipe
correu pela área que circundava o jardim central do colégio, desviando dos
alunos e professores que saíam das salas de aula. O garoto novo se comportando
de forma estranha não era bem uma novidade, mas agora parecia fugir de alguém –
e isso, sim, era algo suspeito.
Clara nem queria saber! Que fosse extravagante e até anormal, ela
também não daria atenção àquele garoto.
“Aposto que todas as meninas estão babando ao vê-lo se achando um agente
secreto!”, ela pensou, e logo em seguida perdeu a paciência consigo mesma. Como
se já não bastassem os olhos colados em cada movimento dele, os pensamentos
também o acompanhavam. Queria bater com a cabeça na parede e esquecer o
assunto, mas as meninas não deixariam.
Mesmo sabendo o que encontraria, buscou o olhar das amigas. E qual
não foi a surpresa ao perceber que nenhuma delas tinha sequer notado que ele
estava por ali? Melhor assim. Não teria que ouvir suspiros ou “nossa!”, “oh!”,
“que lindo!”. Lançou um sorriso com ar de deboche. Quando o assunto era os
garotos, as amigas ficavam cegas para o que mais queriam: eles. Como nenhuma
delas reparara em Felipe correndo pelo jardim em direção à fonte? Ainda mais
com aquele jeito suspeito!
Chegando à fonte, Felipe diminuiu a velocidade até parar. Parecia
procurar alguma coisa na água, o que era ainda mais esquisito; afinal, todos sabiam
que o colégio era bem rígido quanto a jogar qualquer coisa dentro da fonte. No
ano anterior, um garoto foi expulso por jogar flores. Foi um exagero, mas
aconteceu. De repente, ele bateu as mãos na água, chegando até a jogar um pouco
para fora da fonte.
Havia algo de muito estranho naquela história e Clara não perderia
a chance de descobrir o que era. Levantou-se sorrateiramente e, enquanto o
olhar saltitava entre as amigas e o garoto suspeito, aproximou-se dele com
cuidado para não ser vista nem pelas garotas, nem, muito menos, por Felipe.
Percebeu, então, um grande arbusto bem atrás dele. Ali estava perfeito, ela
poderia observá-lo e, quem sabe, até enxergar o que ele tanto olhava na água.
Enfiando-se em meio às folhas, notou que, além de ter mais
espinhos do que ela teria imaginado, também não conseguia ver nada – a não ser,
claro, as grandes costas de Felipe. Esticou-se o quanto pôde; mas, mesmo na
pontinha dos pés e se arranhando mais, não adiantou. Que ideia mais estapafúrdia
tentar ver por cima do ombro de um garoto que deveria ser, pelo menos, o dobro
do tamanho dela!
“Também, custava esse garoto se mexer?”, pensou ela. “O que será
que tem de tão interessante lá?”
Com as pontas dos dedos, segurou um pequeno pedaço de caule liso em
meio aos espinhos e o empurrou. Foi abrindo espaço entre as folhagens e já
avistava a superfície da água quando Felipe mergulhou de roupa e tudo.
O estômago de Clara gelou.
O corpo estremeceu.
“Loucura! Maluquice mesmo!
Onde esse garoto está com a cabeça?”
Correu até a fonte e,
debruçando-se sobre a borda, procurou por ele. Foi quando tudo piorou.
“Felipe desapareceu?”
A água imóvel e cristalina não seria capaz de escondê-lo. Sem
acreditar, os olhos insistiam em vasculhar cada pedacinho do fundo ladrilhado da
fonte. Nada. Para onde ele teria ido? De uma coisa tinha certeza: o garoto
irritante pulara na fonte, que não deveria ter mais que um metro de
profundidade, e desaparecera. Não estava louca. Tinha certeza e não deixaria
que ninguém duvidasse disso.
“Vou encontrar esse garoto
ou não me chamo Clara!”
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