Pular para o conteúdo principal

COMMEDIA DELL’ARTE - Aspectos Históricos


FOTO: Camila Prietto


COMMEDIA DELL’ARTE


Aspectos Históricos



No séc. XVI nasceu nas ruas italianas um movimento teatral que opõe-se ao teatro literário e erudito. A Commedia dell’arte, o novo gênero teatral que nasce vibrando com o povo, foi um dos grandes marcos da história teatral. Com o objetivo de obter o riso, satirizar e ridicularizar a sociedade, foi a primeira forma teatral ocidental em que o ator dispôs de grande liberdade criadora.   
As denominações recebidas pela Commedia dell’arte foram muitas. Entre elas Commedia buffonesca, istrionica, di maschere, all’improvviso, a soggetto,ou simplesmente Commedia italiana. Somente no séc. XVIII recebe sua designação definitiva: Commedia dell’arte. O nome elucida sua característica essencial, a de ser a primeira vez na Europa que uma companhia era constituída de atores que viviam de sua arte. Eram cômicos por ofício.(D’Amico, 1970, p.62) 
O resolução arte significava “ao mesmo tempo arte, habilidade, técnica e o lado profissional dos comediantes".(Pavis,1999. P.61) Até aquele momento, os atores não eram profissionais, eram estudantes, acadêmicos, escrivãos ou confrades religiosos. A Commedia traz uma nova organização... "os atores especializavam-se através de um adestramento técnico, mímico, vocal, coreográfico, acrobático, e freqüentemente também com uma preparação cultural." 
 Inicialmente era um teatro feito exclusivamente por homens. Montavam apenas farsas que continham a oposição criado-patrão(Taviane,96-97, p.4).  Seu iniciador foi Angelo Beolco de Pádua, apelidado de Il Ruzzante devido a um esperto camponês, personagem que criou e interpretou. Beolco cria então o embrião da Commedia.

 Ruzzante tinha  um pé no teatro humanista e outro no teatro popular. Pela forma em cinco atos de suas comédias, ainda pertencia à  Commedia erudita; mas com seus tipos, que caracterizava por diferentes dialetos, abriu a porta para o extenso campo da Commedia dell’Arte.   (Berthold,2000, p.353) 


Ao receber a inserção de mulheres, a Commedia dell’arte começa a tomar sua forma definitiva(Taviane,96-97, p.4). “A Commedia dell’arte se caracterizava pela criação coletiva dos atores, que elaboram um espetáculo improvisando gestual ou verbalmente” a partir de um roteiro preestabelecido. (Pavis,1999, p.61) Esta será a estrutura que posteriormente ficará famosa por toda Europa e pelo mundo. 
A Commedia não apresentava convenções literárias, nem sequer um texto. Os atores se apresentavam em qualquer lugar e a qualquer momento, em um palco improvisado. Esta falta de recursos não comprometia o excelente nível  e o aprimoramento dos recursos das representações. Sua estrutura é citada por Enio Carvalho(1989):

O elenco compunha-se com oito atores, em média, para o desempenho de dez a doze personagens, que se especializavam em determinados tipos de igual importância. Não obedecia a um texto escrito mas a um esquema cujos extratos eram colocados lateralmente na cena, e a partir do qual improvisava sob a orientação de um diretor de cena, o Corago. Esses esquemas ou roteiros inspiravam-se em fragmentos de comédias eruditas, como as de Terêncio e Plauto, mas basicamente apresentando sempre uma mistura desordenada de equívocos. A partir daí, cresceu desproporcionadamente a importância do ator e desapareceu, quase por completo, a figura do poeta dramático italiano. (p.43)



Inicialmente o repertório dos comediantes italianos compunha-se de comédias, tragicomédias, tragédias e dramas pastorais. (Taviani, 96/97, p.4) Posteriormente o conjunto de argumentos se tornou vasto.  Os Cômicos trabalhavam com notícias, paródias de comédias clássicas, argumentos populares. Tudo o que lhes chegava as mãos servia de fonte ao trabalho. Os atores utilizavam-se livremente dos acontecimentos de seus tempo como material de trabalho. Mas foi com paródias de clássicos e até de contemporâneos que os cômicos se adaptaram melhor.  Possuíam um vasto repertório de situações, encontrando-se em condições de representar por meses no mesmo lugar.
A origem da Commedia dell’arte é controversa. Apesar das diferentes possibilidades apresentadas pelos estudiosos modernos, a maior parte dos estudos equiparam-se. A farsa Atelana  manifesta-se com maior freqüência nos estudos modernos, sendo a origem mais provável. Estas pequenas farsas teriam dado origem a quatro dos tipos da Commedia dell’arte. “Pappus, Maccus, Bucco e Dossennus, eram quatro máscaras iguais, psicologicamente, das que estilizam os personagens da Commedia.” (D’Amico, 1970, p.62) Acredita-se que Pappus tenha dado origem a Pantaleão, Maccus e Bucco à Pulcinella e Dossenus ao Dottore. (Carvalho,1989, p.44) 
Observa-se que a expressão grotesca das máscaras eram também encontradas nas atelanas. E ainda assemelhando-se à imagens mais antigas, “encontradas em vasos do séc.IV, que reproduzem motivos extraídos das comédias de Aristófanes.” (Fo,1998, p.44)
Os bufões das atelanas romanas, os sannio, teriam sido a origem da dupla de Zanni. Recentes pesquisadores colocaram em dúvida esta etimologia(Pavis,1999, p.61). Zanni aludi também a palavra grega sannos, que significava bobo, “e ao latin sannio, pantomimeiro”(Berthold,2000, p.355).  Apesar das divergências esta é uma das hipóteses mais aceitas.
De acordo com Enio Carvalho(1989), a Commedia “teve suas raízes na vida popular e evoluiu em oposição ao teatro literário dos humanistas. Seu impulso mais imediato viria dos festejos carnavalescos, com seu desfile de máscaras, seus trajes satíricos, suas representações acrobáticas”(p.43). Esta hipótese pode ter surgido pelo fato de Il Ruzzante ter feito sua primeira apresentação em Veneza (1520) durante o Carnaval. 
Esta tese é também evidenciada por outros autores, como Margot Bertholt. Ela completa afirmando que os ancestrais mais diretos da Commedia são os mimos, os ambulantes, os prestidigitadores e improvisadores. (1989, p.353)
Os mimos antigos não utilizavam máscaras, mas também estão bastante presentes nas relações de ancestrais da Commedia. A semelhança com os mimos é citada por  Sylvio D’amico(1970), que afirma que as roupas de Arlequim e Pulcinella apresentam semelhanças com as de personagens dos mimus centunculus e albus. Dario Fo (1998) contribui ao enunciar que a união de voz, corpo, dança e acrobacia nos mimos nos confirma seus laços.
Outro grande movimento que influenciou a Commedia foram os jograis. De acordo com FO(1998), a Commedia e os jograis são acontecimentos sobrepostos. Não se sabe quando sumiram os jograis e apareceram os cômicos dell’arte. O gesto, a palavra e o canto,  recursos do jogral, permaneceram até a atualidade, chegando aos clowns e ao teatro de variedades. Dario Fo afirma ainda que “as máscaras à italiana nasceram de um casamento obsceno entre jogralesas, fabuladores e clowns e, posteriormente, depois de um incesto, a Commedia pariu dezenas de outros clowns”(p.305). 
Em meados do séc. XVI a Commedia começa a expandir-se para outros países. Era o período da Contra-Reforma italiana. Foi nesse momento que “inúmeras companhias italianas emigraram e diversos espaços teatrais foram fechados,”(FO,1998, p.361). Grupos de atores percorrem o continente europeu se apresentando em praças e salas alugadas. Algumas companhias eram patrocinadas por um príncipe. Inicialmente a maior dificuldade encontrada pelos comediantes era a fala. A partir de então passaram a elevar ao máximo a linguagem gestual. De acordo com Dario Fo, o idioma desconhecido deixou de ser obstáculo quando a simplicidade tomou conta de todos. A partir de então os atores redobraram seus cuidados com o gesto e os ritmos.
A França então adotou a Commedia dell’arte, que tornou-se a comédie italienne. Os cômicos adotaram a língua do país anfitrião. A comédie italienne era responsável tanto por críticas morais como por paródias dos rivais franceses.
No fim do séc. XVII, os cômicos já apresentavam sua decadência. Sua improvisação se tornou mal feita, suas piadas eram cada vez mais vulgares e os assuntos obscenos. A Commedia dell’Arte estava cada vez mais perto de cair no artifício fácil da vulgaridade.
O século XVII levou consigo os melhores atores, que haviam envelhecido ou desaparecido. No inicio do século seguinte a rivalidade das companhias havia crescido. Estas se enfrentavam, tomando cada uma para si a verdadeira herança dos grandes mestres.
Alguns dramaturgos tentaram eternizar a Commedia, colocando-a em textos escritos. Na Itália, Goldoni e Gozzi se incumbiram desta tarefa. Ambos exigiam que seus atores fossem fiéis ao texto. O fato de ter sua trama impressa, já desfaz a característica primordial da comédia popular italiana, a de ser um teatro improvisado. 
No séc. XIX ela está extinta, mas deixa heranças. Seus vestígios podem ser encontrados na pantomima e no melodrama. Atualmente esta herança pode ser encontrada no trabalho de clown.
Os clowns tem sua origem na baixa comédia grega e romana, com seus tipos, e na Commedia dell’arte. O fato de clowns e personagens fixos da Commedia terem a mesma essência aproxima muito suas concepções. Os clowns e os tipos, assim como o palhaço circense, colocam em “exposição a estupidez do ser humano, relativizando normas e verdade sociais.” (Burnier, 1994, p.247)
Assim como na Commedia, os roteiros utilizados nas situações clownescas eram mero pretexto para a criação de momentos cômicos. Os clowns aperfeiçoaram as duplas de Zannis, que na Commedia tinham a função “de provocar o maior número de cenas cômicas, por suas atitudes ambíguas e suas trapalhadas e trejeitos.” (Burnier,1994, p.249)
Mesmo não permanecendo em sua totalidade, a Commedia influenciou vários autores e estudiosos que se seguiram. Estes utilizaram deste de seus recursos cênicos até a utilização dos próprios personagens.

Em suas obras de juventude, Goethe deu chão para Scapino e para o Dottore; Ludwig Tieck convocou Scaramouche, Pierrot, Pantolone e Truffaldino para a amarga e irônica crítica de sua época; Grillparzer tirou suas melancólicas e sagazes figuras de criados do reservatório de tipos da Commedia dell’arte; Hoffmann escreveu uma suíte de balé chamada Arlequino e a grotesca e teatralmente jocosa Phantasiestücke inn Callots Manier (Fantasias à Moda de Callot); Richar Strauss concebeu sua Ariadne auf Naxos como uma peça improvisada à maneira italiana; Górki, no exílio em Capri, interessou-se pelas improvisações; mais tarde, tentou inflamar a imaginação de Stanisláwski com a idéia de um palco de improvisação, no qual os “próprios atores criam as peças” (Berthold, 2000, p.367)




A Commedia dell’arte exerceu forte influência entre os autores clássicos, como Molière, Lope de Vega e Shakespeare. Este utilizou alguns recursos espetaculosos da commedia, como os travestimentos. O recurso pode ser visto em O Mercador de Veneza. Martins Pena, nosso grande comediógrafo brasileiro, também aderiu ao recurso do travestimento. Isto pode ser presenciado em O Noviço. Além dos clowns, as farsas do séc. XIX e XX  e o teatro de variedades, também apresentam estes vestígios cômicos.


*Quer usar esse texto no seu blog ou site? Entre em contato: info@camilaprietto.com

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Baobá de Histórias - O Conto das Areias - Conto Sufi

Bem vindo a nossa central de histórias! A nossa ideia é compartilhar com vocês histórias muitas vezes conhecidas e outra até desconhecidas, contos de fadas, contos fantásticos entre outros, para interagirmos e trocarmos conhecimentos! Você conhece um conto tradicional que poucos sabem? Mande para nós a sua sugestão de histórias, e nos ajude a fortalecer o nosso BAOBÁ. Essa semana traremos um conto sufi, "O Conto das Areias"! Boa Leitura! Um rio, que partiu de sua nascente na montanha distante, depois de passar por todos os tipos e espécies de territórios, finalmente chegou às areias do deserto. Assim como ele tinha atravessado todos os outros obstáculos, tentou atravessar aquele, mas percebeu que a sua água desaparecia nas areias na mesma rapidez que chegava. Estava convencido, no entanto, que seu destino era atravessar aquele deserto, mas ainda não havia como. Então, uma voz oculta vinda do deserto, sussurrou: "O vento atravessa o desert

Baobá de Histórias - O leão, a raposa e a corça - Esopo

Bem vindo a nossa central de histórias! A nossa ideia é compartilhar com vocês histórias muitas vezes conhecidas e outras até desconhecidas, fábulas, contos de fadas, contos fantásticos entre outros, para interagirmos e trocarmos conhecimentos! Você conhece uma fábula, um conto tradicional ou qualquer outra história? Mande para nós a sua sugestão, e nos ajude a fortalecer o nosso BAOBÁ. Essa semana traremos uma fábula; que são pequenas narrativas , normalmente em prosa e muitas vezes é protagonizada por animais falantes e selada por uma máxima moral. E hoje nossa fábula é do Esopo, "O leão, a raposa e a corça"! Boa Leitura! O leão que jazia doente em uma caverna, disse à estimada raposa, com quem mantinha convívio: "Se você me quer vivo e saudável, ludibrie com palavras a maior corça que vive na floresta, faça com que ela venha às minhas mãos, pois ela tem um coração e entranhas que despertam o meu apetite". A raposa se foi, ao entrar a

Tipos de Textos Narrativos

A  narração  é um dos  gêneros literários  mais fecundos, portanto, há atualmente diversos tipos de textos narrativos que comumente são produzidos e lidos por pessoas de todo o mundo. Entre os tipos de textos mais conhecidos, estão o  Romance , a Novela, o  Conto , a  Crônica , a  Fábula, a Parábola, o Apólogo , a  Lenda , entre outros. O principal  objetivo  do texto narrativo é contar algum fato. E o segundo principal objetivo é que esse fato sirva como informação, aprendizado ou  entretenimento . Se o texto narrativo não consegue atingir seus objetivos perde todo o seu valor. A narração, portanto, visa sempre um receptor. Vejamos os conceitos de cada um desses tipos de narração e as diferenças básicas entre eles. Romance : em geral é um tipo de texto que possui um núcleo principal, mas não possui apenas um núcleo. Outras tramas vão se desenrolando ao longo do tempo em que a trama principal acontece. O Romance se subdivide em diversos outros tipos:  Romance policial , R