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Baobá de Histórias - A Bela e a Fera de Luis da Câmara Cascudo.

Bem vindo a nossa central de histórias!

A nossa ideia é compartilhar com vocês histórias muitas vezes conhecidas e outra até desconhecidas, contos de fadas, contos fantásticos entre outros, para interagirmos e trocarmos conhecimentos!

Você conhece um conto tradicional que poucos sabem? Mande para nós a sua sugestão de histórias, e nos ajude a fortalecer o nosso BAOBÁ.

Essa semana traremos um conto de fadas conhecido  "A Bela e a Fera", na versão do nosso Luis da Câmara Cascudo!

Boa Leitura!



Era uma vez um rico mercador que tinha três filhas, cada qual a mais bela. Depois empobreceu e foi morar longe da cidade, onde pudesse esconder a vergonha da pobreza. As filhas mais velhas ficaram muito tristes com isso, por não poderem mais sustentar o luxo de que tanto gostavam. A mais nova, que se chamava Bela, acomodou-se à sorte e tudo fazia por consolar o pai.
Vai senão quando o mercador teve notícia de um bom negócio numas terras muito interessantes e, para tentar ainda o fado, partiu para lá. Ao despedir-se perguntou às filhas o que queriam que lhes

trouxesse, caso fosse feliz nos negócios.
A mais velha disse que queria um rico piano; a do meio pediu um vestido de seda e a mais nova respondeu que não pretendia nada, senão que ele fosse muito feliz e a abençoasse.
O pai, que esta era a filha que ele mais prezava, insistiu com Bela que escolhesse também alguma prenda.
- Pois bem, meu pai, quero que me traga a mais linda rosa do mais lindo jardim que o senhor encontrar.
O mercador partiu e não lhe correram os negócios como esperava. Vinha regressando muito acabrunhado, em noite tenebrosa, sem mais esperanças de encontrar pousada, quando, em meio de um bosque, viu brilhar muitas luzes. Tocou para lá. Era um rico castelo. Bateu à porta longo tempo: ó de casa!, e ninguém respondeu. Em vista disso foi enterrando e percorrendo toda a casa, sem lhe aparecer viva alma. Por fim viu surgir um criado de farda que lhe veio dizer que o jantar estava à mesa. O hóspede foi para a sala de jantar e lá encontrou um perfeito banquete. Comeu com apetite. Mas não tornou mais a ver o criado, senão quando este o veio avisar de que eram horas de dormir, mostrando-lhe em seguida o mais belo quarto que se podia imaginar.
Estava mito admirado de tudo quanto via e achava tudo aquilo muito misterioso, mas, enfim, estava fatigado e com sono. Adormeceu sonhando com a sua filha Bela.
De manhã ergueu-se, disposto a continuar a viagem. Saiu para o pátio, a fim de tomar o animal, mas quando avistou o jardim do castelo lembrou-se logo do pedido de Bela, e como visse a mais linda rosa que jamais seus olhos haviam contemplado, foi logo colhê-la. Quando a teve nas mãos, pensando no contentamento que ia dar à filha, surgiu de súbito um mosntro, uma fera horrível, com estas palavras:
- Ah!...desgraçado! Em paga de eu te haver acolhido em meu palácio, vens roubar-me o meu sustento! Pois não sabes que eu me alimento só de rosas?
- Que não sabia – respondeu o mercador muito vexado. – Errei, confesso. Mas eu queria levar esta flor à minha filha mais nova, que me pediu de lembrança a mais linda rosa que eu encontrasse. Posso, entretanto, restituir-lha. Aí a tem.
- Não; leve a flor, mas com a condição de trazer-me aqui a primeira criatura que avistar em sua casa, quando chegar.
Como não tinha outro remédio, o mercador aceitou a condição imposta e partiu com a flor.
Em caminho ia pensando no caso, mas estava certo de que tudo se resolveria bem, porque a criatura que sempre vinha ao seu encontro era a cachorrinha da casa. Assim não aconteceu. Ao chegar, a primeira criatura que ele avistou foi a filha Bela, a quem entregou a rosa, contando-lhe tudo o que havia acontecido e lamentando a sua infelicidade.
- Lá por isso não seja, meu pai, pois irei, e a Fera há de ser apiedar de nós.
No outro dia foram ter ao castelo, onde tudo se passou como anteriormente.
Quando, pela manhã, a moça colheu a rosa, a Fera apareceu, mas a rapariga se pôs a acha-la muito bonita e acaricia-la. O monstro apaziguou-se e o mercador, chegando a hora de partir, despediu-se, chorando, da filha que ali ficou vivendo.
Algum tempo depois Bela mostrou desejo de tomar a ver o pai, mas a Fera não quis que ela se afastasse dali. Mandou chamar o velho, que veio logo num átimo. Lá passou uns dias e quando foi para voltar disse à Fera que lhe entregasse a menina. A Fera respondeu-lhe que nem por tudo deste mundo lhe tornava a dar, que podia vir vê-la quando entendesse. E lá por dinheiro não, que fosse ao seu tesouro e levasse as riquezas que quisesse.
O mercador voltou rico para casa.
Passado algum tempo, a Fera chamou a moça e lhe disse:
- Tua irmã mais velha acaba de casar-se.
- Como saber disto?
- Queres vê-la?
- Sim, que queria.
A Fera levou-a a um quanto encantado e mostrou-lhe um espelho onde viu a irmão, no braço com o noivo, ao lado dos pais e dos convidados.
Bela pediu então com muita brandura que a deixasse ir à casa.
E a Fera disse-lhe:
- Se eu deixasse, você não voltaria aqui.
A moça jurou que não seria assim tão ingrata e prometeu voltar ao fim de três dias.
A Fera consentiu, mas disse-lhe:
- Se não voltares em três dias, me encontrarás morto. Leva este anel e não tires do dedo, porque se o tirares, me esquecerás.
A moça foi, visitou a família e contou às irmãs tudo que era passado e disse-lhes que se sentia feliz. As outras, com inveja, na noite que completava o terceiro dia, esconderam-lhe o anel e ela não se lembrou mais da Fera.
O pobre animal, ao tempo que Bela ia-se esquecendo, ia também amofinando. A irmã casada contou ao marido o que havia feito com a outra e ele que era um homem sério obrigou-a a entregar o anel à irmã. Dito e feito. Logo que teve o anel no dedo, Bela de tudo se lembrou novamente. Partiu sem demora e chegou ao castelo quando se completavam três dias e meio que dali havia se ausentado.
Procurou o bicho por todos os aposentos, chamou-o muitas vezes, mas não tornou a vê-lo, até que por fim foi dar com ele quase moribundo, estendido entre as gramas do jardim.
Supôs que estivesse morto, e como muito o estimava, quis dar-lhe um beijo. Quando o beijou, a Fera, de repente, transformou-se num belo príncipe.
Estava encantado. Bela, com aquele beijo, lhe tinha quebrado o encanto e o príncipe recebeu-a em casamento.
(Contada por uma senhora de Cataguases, Minas),
Lindolfo Gomes, “Contos Populares, narrativas maravilhosas
e lendárias, seguidas de cantigas de adormecer.”
da tradição oral, no Estado de Minas.
Vol.II, p. 59, São Paulo, s.d.
NotaA Bela e a Fera, na versão brasileira de Minas Gerais, é uma das mais completas. Sua universalidade é registrada pelos folcloristas. O prof. Lindolfo Gomes, como John Thasckray Bruce, liga-a ao mito de Cupido e Psiquê, o episódio que Apuleio nos conta no “Metamorfoses”. Há detalhes que recordam milhares de outros contos, já sem idade, pela velhice, como Urvasi e Pururavas, divulgado por Max Müller, Perrault e Grimm deram as versões do idioma francês e alemão. Sir George Webbe Dasent, na coleção dos “Populars Tales from the Norse”(1888), registrou a Bela e a Fera nórdicas, na linda história da “Terra a leste do Sol e a oeste da Lua”. A Fera é um Urso Branco, como na variante basca de Webster (“La Belle et la Bête”)  é uma grande serpente. Os enredos diferem, tanto o do dr. Dasent como o de Webster, que são mais complexos, como muitas peripécias e convergências. É o Mt. 425 C. de Asrne-Thompson, com o elemento D 735, desencantamento por um beijo.
A promessa de entrega (sacrificar) quem primeiro visse no seu regresso, articula o conto com as raízes mais antigas da tradição religiosa. Jfte prometeu oferecer em holocausto aquilo que, saindo da porta de minha casa, me sair do encontro, vencendo ele os Amonitas. Juizes, 11, 30-31. Vitorioso, saiu-lhe ao encontro sua filha e o Gileadita o imolou, 34-40.
Estudei este elemento, muito comum e clássico na literatura oral e lendária, no “Voto de Idomeneu”, Anúbis e Outros Ensaios in Superstição no Brasil, Belo Horizonte, 1985. A redação de “La Belle et la Bête”é de Jeanne Marie Le Prince de Beaumont, 1711-1780, aproveitando conto oral que, por este intermédio, obteve divulgação imediata nos livros infantis da época.

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