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Baobá Edição Especial - Um conto de Natal - Charles Dickens

Bem vindo a nossa Edição Especial de Natal do Baobá de Histórias!

Para festejar o Natal trago para vocês o Primeiro Capítulo de "Um Conto de Natal"de Charles Dickens com tradução de Ademilson Franchini e Carmen Seganfredo.

Os contos de natal são conhecidos por passar para crianças e adultos a mensagem do verdadeiro sentido de natal, a generosidade, o amor ao próximo, a amizade e a bondade.

Divirtam-se com a leitura e um Feliz Natal!

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Capítulo I  - O fantasma de Marley 

Para começar a história, Marley estava morto. Não havia a menor dúvida quanto a isso. O atestado foi assinado pelo escrivão, pelo sacerdote, pelo agente funerário e pelo encarregado do enterro. Scrooge também assinou, e sua assinatura era sempre bem-vinda, tanto na Bolsa quanto em qualquer outro lugar. 

Sim, o velho Marley estava tão morto quanto uma pedra.

Veja bem: não quero dizer com isso que eu saiba, por experiência própria, como é estar morto como uma pedra. Na verdade, se tivesse de fazer uma comparação, acho que não há nada mais morto do que a lápide de um túmulo. Quem inventou esta antiga expressão foram os nossos sábios antepassados, e não serei eu quem vai querer mudá-la, senão, daqui a pouco, tudo estará de pernas para o ar. Deixe-me, portanto, repetir com toda ênfase: Marley estava tão morto quanto uma pedra. 

Scrooge sabia que ele estava morto? Claro que sabia.Como não iria saber? Scrooge e ele foram sócios por não sei quantos anos. Scrooge era seu único testamenteiro, além de ser também seu único administrador, procurador, herdeiro, amigo e o único que chorou a sua morte. Apesar disso, não ficou tão abalado a ponto de esquecer que era um homem de negócios e, assim, fechou um belo negócio ainda no dia do funeral, tornando essa data inesquecível.

Por falar no enterro de Marley, volto ao começo. Não há dúvida alguma de que Marley estava morto. Isso precisa ficar bem claro, ou nada de espantoso sairá desta história. Se antes do início da peça não estivéssemos totalmente convencidos de que o pai de Hamlet estava morto, não haveria nada de estranho no fato de ele estar passeando à noite, sob o vento leste, no alto de uma das torres de seu castelo, como qualquer senhor de meia-idade faz quando sai à noitinha para tomar um pouco de ar fresco em um lugar qualquer onde sopre uma brisa agradável – como no cemitério da catedral de Saint Paul, por exemplo. Isso dificilmente provocaria o menor espanto à cabeça fraca de seu filho.

Scrooge nunca mandou apagar de seu escritório o nome do antigo sócio. E lá estava ele, anos depois, gravado sobre a porta da firma: Scrooge & Marley. A firma era conhecida como Scrooge & Marley. Às vezes, os novatos chamavam Scrooge de Scrooge e, outras vezes, de Marley, mas ele atendia sempre, pois dava tudo no mesmo.

Scrooge era um tremendo pão-duro! Um velho sovina, avarento, mesquinho, unha de fome e ganancioso! Duro e áspero como uma pedra de amolar, não era possível arrancar dele a menor faísca de generosidade. Era solitário e fechado como uma ostra. A sua frieza congelou o seu rosto e encompridou ainda mais o seu nariz pontudo, murchou suas bochechas e endureceu seu caminhar; deixou seus olhos vermelhos, azulou seus lábios finos e tornou ferino o tom de sua áspera voz. Uma camada de gelo cobria sua cabeça, suas sobrancelhas e seu queixo áspero. Onde ia, levava consigo sua frieza, que gelava o escritório nos dias mais quentes do ano e não
degelava nem um grau no Natal.

O frio e o calor tinham pouca influência sobre Scrooge. Calor algum podia aquecê-lo e nem o vento de inverno esfriá-lo. Nenhum vento que soprasse era mais áspero que ele, nenhuma neve que caísse era mais insistente e determinada em seus propósitos e nenhum temporal podia ser mais desagradável. O tempo ruim não o impressionava. A chuva, a neve e o granizo só tinham uma vantagem sobre ele: caíam com graça, e Scrooge não tinha graça alguma.

Ninguém jamais o parou na rua para perguntar-lhe:

 – Como vai, meu bom amigo? Quando aparece lá em casa?

Nenhum mendigo lhe pedia um xelim, nenhuma criança se aproximava para lhe perguntar as horas, nenhum homem ou mulher lhe solicitou, uma única vez, informação sobre qualquer coisa. Até os cachorros dos cegos pareciam conhecê-lo e, quando ele se aproximava, arrastavam seus donos para dentro do primeiro portão ou pátio que aparecia, sacudindo o rabo, como se dissessem:

– Meu caro patrão, é melhor não ter olhos do que ter olhos maus.

Mas Scrooge não estava nem aí! Ele até preferia que fosse assim; o que ele mais gostava neste mundo era passar através da multidão sem precisar demonstrar qualquer simpatia humana.



Certa vez – como fazia todos os dias, só que esse dia era véspera de Natal –, o velho Scrooge estava trabalhando em seu escritório, todo atarefado. Era um dia frio, triste e enevoado. Dava para ouvir as pessoas lá fora no beco, andando pra lá e pra cá, batendo com as mãos no peito e sapateando com força no calçamento para se aquecer. Os relógios da cidade recém haviam batido as três horas, mas já estava tudo completamente escuro. 

Aliás, o dia todo não havia sido muito claro. Dentro das janelas dos escritórios vizinhos brilhavam velas como manchas avermelhadas em um ar denso e marrom. A neblina infiltrava-se por todas as frestas e buracos de fechadura, e era tão espessa lá fora que, apesar do beco ser estreito, as casas do outro lado pareciam fantasmas. Ao ver aquela nuvem pesada baixando e escurecendo tudo, qualquer um pensaria que a Natureza morava ali por perto, fabricava cerveja sem parar e soltava todo aquele vapor.

A porta do escritório de Scrooge estava aberta, para que ele pudesse controlar o empregado que logo adiante copiava cartas em um minúsculo cubículo, uma espécie de poço.


Na sala de Scrooge havia um foguinho aceso, mas o do seu empregado era tão minúsculo que parecia feito de um único carvão. Entretanto, ele não podia reavivar este fogo porque Scrooge guardava a caixa de carvão em seu escritório e já tinha avisado que, se ele ousasse entrar lá com a pá, seria imediatamente demitido. Assim, o escrevente dava mais uma volta no cachecol branco e tentava aquecer-se na chama da vela, objetivo que jamais alcançava.



 – Feliz Natal, titio! Que Deus o abençoe! – exclamou a voz alegre do sobrinho de Scrooge, tão repentinamente que parecia até ter chegado antes de seu dono.



 – Bah! – disse Scrooge. – Que bobagem!



O jovem estava tão afogueado pela rápida caminhada em meio ao nevoeiro e à neve, que todo ele brilhava. Seu rosto estava em brasa, seus olhos cintilavam e seu hálito soltava um vapor.



– Bobagem o Natal, titio? – disse o sobrinho. – O senhor está brincando?



– Claro que não! – replicou Scrooge. – Que motivos você tem para estar feliz, sendo pobre desse jeito?



– Se for por isso, que motivos tem o senhor para estar tão mal-humorado, que razões para estar tão ranzinza, sendo rico desse jeito? – respondeu o sobrinho, alegremente.



Scrooge, sem encontrar resposta melhor, disse apenas:



– Ora! Que bobagem!



– Calma, titio, não se irrite por tão pouco.





– E como posso não me irritar, em um mundo cheio de imbecis? – exclamou o tio. – Ora, Feliz Natal! Basta de Feliz Natal! O que é o Natal para você, senão a época de não ter dinheiro para pagar sequer suas contas? A época de se dar conta de que está um ano mais velho e nem uma hora mais rico; o momento para fazer um balanço nos livros de contabilidade e ver que cada item, nestes doze últimos meses, só lhe trouxe prejuízo? Por mim – continuou Scrooge, indignado –, cada idiota que saísse por aí desejando Feliz Natal deveria ser fervido,misturado junto com seu bolo de Natal e enterrado com um galho de pinheirinho no coração,isso sim!



– Titio...! – suplicou o sobrinho.



– Meu sobrinho! – respondeu o tio, acidamente. – Passe o Natal como bem entender e deixe que eu passe o meu à minha maneira.



– Como, à sua maneira? O senhor não o passa de maneira alguma!



– Então me deixe em paz e tire dele um bom proveito. O mesmo proveito que sempre tirou!  



– disse Scrooge.



– Muitas coisas boas me aconteceram sem que eu tirasse proveito algum, e o Natal é uma

delas – replicou o sobrinho. – Apesar de ser uma festa sagrada, não a vejo somente assim, mas também como uma época muito agradável: uma época de gentileza, perdão, caridade e alegria.


A única que eu conheço, no longo calendário do ano, na qual homens e mulheres parecem abrir de boa vontade seus corações fechados e pensar nas pessoas mais pobres como seus legítimos companheiros na viagem para o túmulo, e não como uma raça estranha, viajando para um outro lugar. Por isso, titio, embora o Natal nunca tenha colocado uma moeda de ouro ou de prata no meu bolso, ainda acho que ele me fez – e fará, ainda – muito bem. E que Deus o abençoe!



O empregado, sem se dar conta, aplaudiu lá do seu cubículo. Percebendo imediatamente a gafe, começou a mexer no fogo – e acabou apagando o resto da chama que lhe aquecia.



 – Se eu escutar mais um pio, você irá festejar o Natal no olho da rua! – xingou Scrooge.



Depois virou-se para o sobrinho e acrescentou – Você é realmente um orador extraordinário; por que não se candidata ao Parlamento?



– Não se zangue, titio, deixe disso! Vamos, venha cear conosco, amanhã.



Scrooge disse que preferia mesmo era ir para o... Sim, é isso mesmo. Pronunciou a frase toda e disse que preferia ir para o inferno, do que ir cear com eles.



– Mas por quê? – insistiu o sobrinho.



– Por que você se casou, afinal? – foi a resposta de Scrooge.



– Porque me apaixonei.



– Porque se apaixonou! – resmungou Scrooge, como se essa fosse a única coisa do mundo ainda mais ridícula do que um Feliz Natal. – Tenha um bom dia!



– Um momento, titio! Você nunca me visitou antes de meu casamento. Por que agora usa isso como desculpa para não vir?



– Tenha um bom dia! – repetiu Scrooge.



– Não quero nada que é seu, não estou lhe pedindo nada. Por que não podemos ser amigos?



– Tenha um bom dia!



– Sinto muito, do fundo do coração, pela sua teimosia. Nunca nos desentendemos, ao menos por minha culpa. Tentei uma aproximação por causa do Natal e por isso pretendo manter até o final o meu bom humor natalino. Então, feliz Natal, titio!



– Tenha um bom dia!



– E feliz Ano-Novo!



– Tenha um bom dia!



Apesar de tudo, o sobrinho saiu do escritório sem uma palavra de raiva. Parou na porta da rua para desejar boas-festas ao empregado, o qual, embora estivesse enregelado, foi mais caloroso que Scrooge, retribuindo cordialmente os votos.



– É outro maluco...! – resmungou Scrooge, que tinha ouvido a conversa dos dois. – Ganhando quinze xelins por semana, com mulher e filhos para sustentar, ainda vem falar em Feliz Natal... Vou acabar em um hospício!


  

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