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Resenha – O Mágico de Oz

Então bata seus calcanhares três vezes e torne seu maior desejo uma realidade!

A estória de O Mágico de Oz já faz parte do inconsciente coletivo de nossa era. Sua memorável contribuição como fábula, foi concebida por L. Frank Baum e disseminada por Hollywood. O clássico que até hoje encanta adultos e crianças, marcou época e eternizou-se em nossa memória pela brilhante atuação de Judy Garland. Mas foram sua criatividade e inocência que o transformaram em um dos maiores sucessos editoriais de todos os tempos. Quem de nós nunca quis atrever-se pela estrada de tijolos amarelos?
Com um vendaval, L. Frank Baum jogou a pequena Dorothy e seu cachorro Totó num mundo fantástico com personagens belos, repletos de carisma e fantasia. Num mundo onde tudo é possível, um Espantalho que sonha em ter um cérebro, um Homem de Lata que busca um coração e um Leão que só quer ter coragem são seus aliados.
Nesta história tenra e cheia de aventuras, encontrar o Mágico foi só o primeiro passo, pois este quer a Bruxa do Oeste morta! Os amigos seguem o desafio e enfrentam perigos, aventuras e o terrível exército de macacos da Bruxa do Oeste. Mas não adianta nada, pois o ilusionista é desmascarado e Dorothy descobre que enfrentou tantos perigos por uma simples quimera.
Só lhes resta agora procurar a bela Glinda, a Bruxa Boa do Norte, que lhe apresenta o verdadeiro ensinamento da obra: A solução estava sob seus pés o tempo todo. É a magia dos sapatos de prata[1] que leva a menina de volta para ao Kansas.
Dorothy vem de uma terra cinza e árida, onde mora com seus tios Henry e Em, sua única família. Arrancada do Kansas pelo terrível vendaval, a garota não pensa em construir novas raízes ou adaptar-se ao novo ambiente, mas sim, em voltar para casa. É nesse momento que L. Frank Baum cria uma das frases mais conhecidas em todo o mundo: “Não há lugar como o nosso lar.”
Sua queda livre em Oz é mais que uma entrada triunfal, é um evento esmagador. Pelo menos para a Bruxa do Leste que morre achatada pela casa que despenca dos ares e cai na terra dos Munchkins. Sem muita responsabilidade pelo feito, Dorothy liberta o povo da escravidão da megera e ainda recebe os sapatos de prata da Bruxa Má como recompensa. Munida de seu desejo de voltar para casa, Dorothy começa sua jornada rumo à Cidade das Esmeraldas.
A tarefa é simples, basta seguir a estrada de tijolos amarelos e chegará ao castelo do fabuloso Mágico de Oz, que certamente irá mandá-la de volta pra casa. Sem temer a garota encara sua jornada. E aí vem a primeira questão e o primeiro aliado:
“- Quem é você? Perguntou o Espantalho. - E para onde está indo?”
A primeira e fatídica pergunta insere na fábula a profunda questão da vida. Quem sou eu? Essa é a primeira dúvida em qualquer metáfora do crescimento e repetidas vezes em nossas vidas nos deparamos com a controversa tese: Quem sou eu? Pra onde estou indo?
Com estas respostas podemos até nos desviarmos do caminho, mas saberemos exatamente como voltar para estrada de tijolos amarelos. É isso que o autor nos mostra, quando a heroína Dorothy é retirada contra sua vontade de seu trajeto premeditado. Quando isso acontece, Dorothy insiste: “Precisamos dar um jeito de voltar para a estrada.”
Respondida à pergunta do Espantalho, Dorothy segue seu caminho com um novo companheiro de viagem que pretende ir até o mágico para pedir-lhe um cérebro, pois isso o tornaria “tão homem quanto qualquer um em seu reino.”
No caminho, a beira da estrada, um Homem de Lata enferrujado adorna a paisagem. Ao contrário do Espantalho, ele já foi homem de verdade, que perseguido e enfeitiçado pela Bruxa do Leste perdeu membro por membro até ficar sem coração e endurecer-se em sua casca de lata. O Homem de Lata precisa do músculo que lhe permita se apaixonar, amar e sentir, coisas que para este homem, frio e sem carne, o permitiria “ser como os outros homens.”
E pelo caminho segue-se o inesperado encontro com o Leão Covarde. Quão difícil é ser o rei da floresta e não ser corajoso. Mas este Leão é esperto e aprendeu que seu rosnado espanta qualquer um. Sua tática é ameaçar antes de ser confrontado, pois para e confronto é sinônimo de derrota.
Os três companheiros de Dorothy são a máxima do pensamento do autor que buscava uma renovação na literatura infantil. O ano era 1900 e L. Frank Baum questionava o terror violento das estórias infantis. Buscava que seus personagens fossem mais criativos e defendia que a função da literatura era divertir e entreter e não moralizar. Para o autor, isto era função da escola e da família. E é nesse exato ponto que o autor coloca a genialidade de sua obra. Na busca de entreter, construiu sua lúdica e criativa estória sobre as necessidades próprias do ser humano, algo atemporal e legítimo.
O Espantalho, o Homem de Lata e o Leão Covarde são a força do pensamento de L. Frank Baum nessa obra, fato que torna o Mágico de Oz um marco na história da literatura e na história do cinema. Na pele do Leão  o autor saiu em busca de coragem para mudar os padrões históricos da literatura infantil. Sua estrada de tijolos amarelos foi sua obra.
Como Espantalho, buscava a forma, o pensamento racional, o raciocinio correto que o levaria a subverter a história da literatura infantil mostrando que a fantasia podia sim ser mais divertida e menos violenta. Tanto que em seu livro violências acontecem, como quando o Homem de Lata salta a Rainha dos Ratos Silvestres cortando num golpe a cabeça do gato que a perseguia. Só que aqui, a violência é secundária, chegando até a passar despercebida.
Falando então do Homem de Lata, encontra-se onde o fabuloso autor? Na busca insensante do coração. Como adulto L. Frank Baum sabe o pesar que é a perda da capacidade de se emocionar, entregar e amar sem barreiras. Enquanto o Espantalho é a visão da criança, sem pensamento racional formalizado, o Leão Covarde, a metáfora do adolescente, que grita e berra para esconder seu medo, o Homem de Lata é o próprio adulto, endurecido pela falta de habilidade para amar. E não falamos de amor romântico, mas sim, do amor incondicional, aquele que só faz sentido para os que sabem o que significa amar o próximo como a si mesmo. Dom esse que perdermos conforme crescemos e partimos para a batalha nua e crua da vida adulta.
O autor foi então além. Criou uma estória com personagens criativos, divertidos e fantasiosos, mas soube como ninguém embutir em suas personalidades uma busca que é a de todo ser humano. Sua fuga dos moldes tradicionais de contos de fadas o jogou diretamente de volta a eles e foi exatamente isso que tornou O Mágico de Oz um clássico. O que é um conto de fadas, se não uma metáfora da vida?
Violento, catastrófico ou engraçado um mito só se mantêm por ser uma fagulha do ser humano, e nesse caso é mais que literatura infantil. No inconsciente coletivo de todo o ser humana vivem livremente estes personagens tão individuais que são ao mesmo tempo universais e particulares. Uma criação como O Mágico de Oz é uma estória que acena para o ser humano que tenta compreender um pouquinho mais dele mesmo. É uma estória para o adulto que procura por sua mágica criança, para a criança que procura a coragem do encontro com a bruxa ou para o cachorrinho, que não entende exatamente o que está fazendo, mas luta com coragem e bravura por sua amiga Dorothy.
Clássicos se tornam clássicos por eternizarem metáforas da vida. Sorrindo, como uma criança que admira uma loja de doces, enterramos em nosso inconsciente as informações mais básicas da vida. – Eu sei quem eu sou, sei o que me falta e sei aonde ir pra conseguir o que eu quero. Tem idade pra isso? O bebê engatinha para o brinquedo exatamente como o adulto para seus desejos. Dorothy e seus amigos chegaram ao tão desejado destino, a cidade das Esmeraldas e no encontro com o Mágico descobriram que ainda tinham que vencer a Bruxa má do Oeste, para conseguirem o que queriam.
Foram e venceram, mas a questão vai além. O que L. Frank Baum mostra nesse momento é que procurar a realização de qualquer desejo que seja através de outra pessoa é uma fraude. O que permite a realização do sonho é a jornada, e não o outro que tomado pelo poder que nós mesmos lhe conferimos vai agora por mágica nos permitir realizar ou não nossas vontades.
A estrada de tijolos amarelos possibilita que Dorothy amadureça e se torne capaz de entender que o instrumento para realizar seus desejos não é o poder do Mágico, mas o sapato que sob seus pés a conduziram pelo caminho. E vamos além, Glinda, a Bruxa Boa do Sul ensina a menina como realizar seus desejos. “Tudo o que você tem que fazer é bater os calcanhares três vezes e ordenar que os sapatos a carreguem para onde você quiser ir.”
Glinda não poderia ter dito isso pra menina logo de cara? Sim! Poderia. Mas se o tivesse feito ainda hoje o Espantalho estaria sem cérebro, o Homem de Lata sem coração e o Leão sem coragem. Mas pense bem, toda a estória foi gerada pelo toque dos calcanhares de Dorothy. Foi o toque de seu calcanhar na estrada de tijolos amarelos que gerou o caminho. Foi com seu andar que encontrou seus amigos. Com seus próprios passos que enfrentou a Bruxa do Oeste e foram seus calcanhares que a levaram a desmascarar o falso Mágico. E foi com seus próprios pés que foi até Glinda para descobrir que seu tesouro estava sob seus próprios pés.
“Dorothy pegou Totó em seus braços e, se despedindo pela última vez, bateu os calcanhares três vezes e disse: - Me leve para casa, para a tia Em!”
Dorothy voltou para Kansas e na alegria de ver tio Henry saiu correndo e percebeu-se descalça. Os sapatinhos se perderam para sempre no trajeto entre Oz e Kansas. Mas Dorothy já tinha aprendido sua lição. Não há mágico, bruxa ou vendaval que possa fazer magia mais poderosa do que o toque de seus próprios calcanhares na estrada da vida. Então bata seus calcanhares três vezes e torne seu maior desejo uma realidade!



Coleção Eternamente Clássicos
O Mágico de Oz
L. Frank Baum
Tradução Santiago Nazarian
Editora: Barba Negra / LeYa
São Paulo
2011
192 páginas


[1] Notem que no livro o sapatinho de Dorothy é prata e no filme, rubi. Mudança usada para ressaltar a nova tecnologia de filmes em cores.

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