Com o mercado em crescimento, livros e seus autores terão sua maior festa no Riocentro.
(reportagem Veja Rio)
É melhor calçar um sapato confortável. A décima Bienal do Livro, que abre as portas nesta quinta-feira (17), no Riocentro, quer levar ao pé da letra a expressão "maratona cultural". É a maior e mais bem fornida edição do evento criado modestamente no Hotel Copacabana Palace, em 1983, com a participação de 86 expositores espalhados em meros 1.200 metros quadrados. A Bienal entra no século XXI com 808 expositores esparramados em dois pavilhões com 48.000 metros quadrados em Jacarepaguá. Um visitante meticuloso, que queira passar por todos os estandes, vai caminhar pelo menos 4 quilômetros, como se a orla entre Arpoador e Leblon fosse tomada por estantes com mais de 125.000 títulos. Pela primeira vez em sua história, a Bienal carioca superou a paulista em área ocupada e número de expositores. A oportunidade de folhear e adquirir os últimos lançamentos e obras nem sempre fáceis de achar não é o único atrativo para ir ao Riocentro. Como em 1999, a Bienal aposta pesado no contato entre o público e os escritores. O arredio Luis Fernando Verissimo aparece para falar sobre o romance policial ao lado do Titã Tony Bellotto. A mineira Adélia Prado lê seus poemas. O baiano radicado no Leblon João Ubaldo Ribeiro discute futebol com o ex-técnico da seleção brasileira Carlos Alberto Parreira. E a americana Shere Hite fala de seu assunto favorito: sexo.
"Estamos priorizando a dimensão cultural da festa. Ela deixou de ser uma feira de negócios. É o grande evento de divulgação do livro na cidade, e o autor é o centro dos acontecimentos", diz o editor Roberto Feith, da Objetiva, diretor do Sindicato Nacional dos Editores (Snel). O ponto mais quente desses onze dias é o Café Literário, onde acontecem 29 atividades, entre encontros com autores brasileiros e estrangeiros, entrevistas, leitura de poemas e bate-papos, em ambiente informal, com o público acomodado em mesinhas. São apenas 120 lugares, com distribuição de senha duas horas antes de cada evento. "É a oportunidade de o leitor encontrar seus ídolos e saciar a curiosidade. Queremos fazer do autor uma estrela e queremos também que as pessoas se rasguem para chegar perto de um Verissimo ou de um Ubaldo", exagera Rosa Maria Araújo, responsável pela programação cultural. Passarão ainda pelo Café alguns dos convidados estrangeiros mais esperados, como as americanas Hite, Margaret George (de Os Amores de Cleópatra, best-seller que romantizou a vida da rainha do Egito), o cubano Pedro Juan Gutiérrez (de A Trilogia Suja de Havana) e Manuel Vázquez Montalbán, autor da série policial que tem como protagonista o detetive gourmet Pepe Escobar e nome mais conhecido da delegação da Espanha (veja quadro), país homenageado neste ano.
"A Espanha foi escolhida, entre outras razões, por sua identidade cultural com o Brasil, sua rica literatura e por sua ascensão econômica, que também se reflete na produção editorial. Os editores espanhóis têm mostrado interesse em se associar aos brasileiros", explica Rosa Maria. Além do Café Literário, ela acrescentou à agenda nove debates e sete eventos nobres: conferências, leitura de peça e uma homenagem a Drummond (veja programação). E, mesmo fora da programação oficial, vale a pena ficar de olho nas atrações dos estandes, que variam de sessões de autógrafo a talk-shows com escritores e atividades para crianças. Quem precisar recarregar as energias encontrará dezesseis quiosques de alimentação e quatro restaurantes. Há de tudo um pouco: da comida japonesa do Kotobuki ao infalível hambúrguer do Bob's. Nos onze dias do evento, a expectativa é que passem pelo Riocentro cerca de 500.000 pessoas. Metade deverá vir acompanhada por professores. A visitação escolar foi, de antemão, um sucesso: atingiu-se o limite de 250.000 estudantes. "Muitas escolas ficaram de fora", diz Arthur Repsold, da Fagga Eventos, organizadora da Bienal.
Grandes e pequenos dividem o espaço no Riocentro. À livraria Saraiva coube o maior estande da feira, com 420 metros quadrados. Uma novidade deste ano são os boxes alugados para os autores independentes. Alguns são divididos por dois ou mais escritores, que se revezam durante o evento. A Bienal gorda acompanha o momento positivo que atravessa o mercado editorial brasileiro, que movimenta anualmente 2 bilhões de reais. Desse bolo, 75% correm por conta dos livros técnicos e didáticos. O restante cabe às obras gerais: ficção, não-ficção, auto-ajuda. "O governo demonstra que pretende implantar uma política consistente de renovação dos acervos das bibliotecas", diz Paulo Rocco, presidente do Snel e dono da Rocco. Na Bienal vão estar presentes cerca de 1.000 coordenadores de salas de leitura, que receberam 500 reais da prefeitura para a aquisição de novos títulos.
Não é a única boa notícia. "A indústria do livro está crescendo. As vendas ao público são ascendentes desde 2000", afirma Rocco. Na Record, a maior editora de obras gerais do país, os lançamentos de 2000 venderam 56% mais que os do ano anterior. Nos primeiros quatro meses deste ano, a Objetiva vendeu 14% mais que no mesmo período de 2000. Mas há outros sinais de que a festa pode estar apenas começando. Desde 1995, com a estabilização da economia, os empresários espanhóis, bem estabelecidos em toda a América Latina, vêm demonstrando crescente interesse pelas editoras brasileiras. A Moderna, uma das potências em livros didáticos, foi adquirida recentemente pelo grupo Prisa. Isabel Polanco, filha de Jesus Polanco, o presidente do grupo espanhol, esteve em março no Brasil em uma série de visitas a editoras. Um emissário da Planeta, outro forte grupo ibérico, assediou as cinco maiores: Companhia das Letras, Rocco, Nova Fronteira, Objetiva e Record.
Os editores confirmam a sondagem, mas ninguém admite o prosseguimento das negociações. "Todo mundo andou piscando e rebolando para os espanhóis", garante o dono de uma empresa tradicional. A agressividade hispânica impressionou mal Carlos Augusto Lacerda, da Nova Fronteira. "Um sujeito da Planeta veio aqui e indagou quanto custava minha editora. Perguntei para ele quanto custava a dele", diverte-se. "A Objetiva não está à venda", esclarece Roberto Feith, alvo de especulações recentes, "uma associação ou parceria seria a única possibilidade relevante. Não vendo 100% de jeito nenhum", assegura. Sérgio Machado, da Record, é menos radical. "Tudo está à venda. Não estou pensando em vender meu apartamento, mas, se meu vizinho chega e me oferece três vezes o seu valor, posso mudar de idéia", diz.
Machado admite que esteve em negociações com a Planeta – seu parceiro em venda em bancas – em 1998. Chegou a marcar uma viagem a Barcelona para se encontrar com o diretor do grupo, José Manuel Lara. A desvalorização do real em janeiro de 1999 pôs fim à conversa. "Ele achou que era melhor deixar a poeira baixar", conta Machado. No momento, ele afirma estar mais para comprador que para vendedor. "O mercado está muito fragmentado. Estou negociando a aquisição de uma editora que vai completar meu portfólio", declara, fazendo mistério sobre seu alvo. A Record pediu um financiamento ao BNDES de cerca de 3 milhões de reais. "Estamos em fase de expansão", acrescenta Machado, que já havia incorporado a seu grupo as editoras Civilização Brasileira e Bertrand Brasil. Na semana passada, dias antes da Bienal, o dono da Record partiu em viagem relâmpago para a Espanha. Todos concordam que, com a globalização, perdem terreno as empresas familiares. "Ou você adota uma prática profissional, ou não consegue mais concorrer. Nesse mercado não existe lugar para amadores", diz Carlos Augusto Lacerda, da Nova Fronteira, que tem como sócio o investidor Armínio Fraga, presidente do Banco Central. Em São Paulo, a Companhia das Letras se associou ao Unibanco. Nesse cenário, a participação do investidor estrangeiro é considerada quase inevitável. "A concorrência é avassaladora", afirma Lacerda.
A profissionalização crescente do setor também se reflete na oferta de novos títulos na Bienal. São 1.200 lançamentos – número impressionante, é verdade – , mas, diferentemente dos anos anteriores, os editores preferiram não queimar todos os seus cartuchos em um evento só. "Se você lança um número excessivo de títulos, eles acabam passando despercebidos", diz Lacerda, que está presente com as crônicas de Cecília Meirelles e reedições caprichadas de Guimarães Rosa, entre outras obras. Nem mesmo a Rocco, editora do presidente do Snel, está arriscando. O lançamento mais esperado do ano, o quarto volume das aventuras do bruxinho Harry Potter, só chega às livrarias em 18 de junho, um mês depois da Bienal do Rio.
X BIENAL DO LIVRO, Riocentro, Avenida Salvador Allende, 6555, Jacarepaguá, 442-1300. De 17 (quinta) a 27 de maio. 12h/22h (qui.), 9h/23h (sex.), 10h/23h (sáb.), 10h/22h (dom.). 9h/22h (de 21 a 24 de maio), 9h/23h (25 de maio), 10h/23h (26 de maio) e 10h/22h (27 de maio). R$ 6,00 e R$ 3,00 (estudantes). Entrada franca para crianças com menos de 1,20 m. Estacionamento a R$ 5,00.
LEIA [+]
(reportagem Veja Rio)
(1) pesquisa feita pela Bienal em 1999 |
É melhor calçar um sapato confortável. A décima Bienal do Livro, que abre as portas nesta quinta-feira (17), no Riocentro, quer levar ao pé da letra a expressão "maratona cultural". É a maior e mais bem fornida edição do evento criado modestamente no Hotel Copacabana Palace, em 1983, com a participação de 86 expositores espalhados em meros 1.200 metros quadrados. A Bienal entra no século XXI com 808 expositores esparramados em dois pavilhões com 48.000 metros quadrados em Jacarepaguá. Um visitante meticuloso, que queira passar por todos os estandes, vai caminhar pelo menos 4 quilômetros, como se a orla entre Arpoador e Leblon fosse tomada por estantes com mais de 125.000 títulos. Pela primeira vez em sua história, a Bienal carioca superou a paulista em área ocupada e número de expositores. A oportunidade de folhear e adquirir os últimos lançamentos e obras nem sempre fáceis de achar não é o único atrativo para ir ao Riocentro. Como em 1999, a Bienal aposta pesado no contato entre o público e os escritores. O arredio Luis Fernando Verissimo aparece para falar sobre o romance policial ao lado do Titã Tony Bellotto. A mineira Adélia Prado lê seus poemas. O baiano radicado no Leblon João Ubaldo Ribeiro discute futebol com o ex-técnico da seleção brasileira Carlos Alberto Parreira. E a americana Shere Hite fala de seu assunto favorito: sexo.
Fotos divulgação |
PEDRO JUAN GUTIÉRREZ |
"Estamos priorizando a dimensão cultural da festa. Ela deixou de ser uma feira de negócios. É o grande evento de divulgação do livro na cidade, e o autor é o centro dos acontecimentos", diz o editor Roberto Feith, da Objetiva, diretor do Sindicato Nacional dos Editores (Snel). O ponto mais quente desses onze dias é o Café Literário, onde acontecem 29 atividades, entre encontros com autores brasileiros e estrangeiros, entrevistas, leitura de poemas e bate-papos, em ambiente informal, com o público acomodado em mesinhas. São apenas 120 lugares, com distribuição de senha duas horas antes de cada evento. "É a oportunidade de o leitor encontrar seus ídolos e saciar a curiosidade. Queremos fazer do autor uma estrela e queremos também que as pessoas se rasguem para chegar perto de um Verissimo ou de um Ubaldo", exagera Rosa Maria Araújo, responsável pela programação cultural. Passarão ainda pelo Café alguns dos convidados estrangeiros mais esperados, como as americanas Hite, Margaret George (de Os Amores de Cleópatra, best-seller que romantizou a vida da rainha do Egito), o cubano Pedro Juan Gutiérrez (de A Trilogia Suja de Havana) e Manuel Vázquez Montalbán, autor da série policial que tem como protagonista o detetive gourmet Pepe Escobar e nome mais conhecido da delegação da Espanha (veja quadro), país homenageado neste ano.
SHERE HITE |
Liane Neves |
LUIS FERNANDO VERISSIMO |
Grandes e pequenos dividem o espaço no Riocentro. À livraria Saraiva coube o maior estande da feira, com 420 metros quadrados. Uma novidade deste ano são os boxes alugados para os autores independentes. Alguns são divididos por dois ou mais escritores, que se revezam durante o evento. A Bienal gorda acompanha o momento positivo que atravessa o mercado editorial brasileiro, que movimenta anualmente 2 bilhões de reais. Desse bolo, 75% correm por conta dos livros técnicos e didáticos. O restante cabe às obras gerais: ficção, não-ficção, auto-ajuda. "O governo demonstra que pretende implantar uma política consistente de renovação dos acervos das bibliotecas", diz Paulo Rocco, presidente do Snel e dono da Rocco. Na Bienal vão estar presentes cerca de 1.000 coordenadores de salas de leitura, que receberam 500 reais da prefeitura para a aquisição de novos títulos.
Nana Moraes |
ADÉLIA PRADO |
Não é a única boa notícia. "A indústria do livro está crescendo. As vendas ao público são ascendentes desde 2000", afirma Rocco. Na Record, a maior editora de obras gerais do país, os lançamentos de 2000 venderam 56% mais que os do ano anterior. Nos primeiros quatro meses deste ano, a Objetiva vendeu 14% mais que no mesmo período de 2000. Mas há outros sinais de que a festa pode estar apenas começando. Desde 1995, com a estabilização da economia, os empresários espanhóis, bem estabelecidos em toda a América Latina, vêm demonstrando crescente interesse pelas editoras brasileiras. A Moderna, uma das potências em livros didáticos, foi adquirida recentemente pelo grupo Prisa. Isabel Polanco, filha de Jesus Polanco, o presidente do grupo espanhol, esteve em março no Brasil em uma série de visitas a editoras. Um emissário da Planeta, outro forte grupo ibérico, assediou as cinco maiores: Companhia das Letras, Rocco, Nova Fronteira, Objetiva e Record.
André Nazareth/Strana |
Vendas ao público estão com desempenho ascendente desde o ano passado: bom momento para as editoras |
Os editores confirmam a sondagem, mas ninguém admite o prosseguimento das negociações. "Todo mundo andou piscando e rebolando para os espanhóis", garante o dono de uma empresa tradicional. A agressividade hispânica impressionou mal Carlos Augusto Lacerda, da Nova Fronteira. "Um sujeito da Planeta veio aqui e indagou quanto custava minha editora. Perguntei para ele quanto custava a dele", diverte-se. "A Objetiva não está à venda", esclarece Roberto Feith, alvo de especulações recentes, "uma associação ou parceria seria a única possibilidade relevante. Não vendo 100% de jeito nenhum", assegura. Sérgio Machado, da Record, é menos radical. "Tudo está à venda. Não estou pensando em vender meu apartamento, mas, se meu vizinho chega e me oferece três vezes o seu valor, posso mudar de idéia", diz.
Fotos Dilmar Cavalher/Strana | Arthur Cavaliere/Strana | ||
Roberto Feith, da Objetiva: crescimento | Paulo Rocco, da Rocco: otimista | Lacerda, da Nova Fronteira: em busca da profissionalização | Sérgio Machado, da Record: em expansão |
Machado admite que esteve em negociações com a Planeta – seu parceiro em venda em bancas – em 1998. Chegou a marcar uma viagem a Barcelona para se encontrar com o diretor do grupo, José Manuel Lara. A desvalorização do real em janeiro de 1999 pôs fim à conversa. "Ele achou que era melhor deixar a poeira baixar", conta Machado. No momento, ele afirma estar mais para comprador que para vendedor. "O mercado está muito fragmentado. Estou negociando a aquisição de uma editora que vai completar meu portfólio", declara, fazendo mistério sobre seu alvo. A Record pediu um financiamento ao BNDES de cerca de 3 milhões de reais. "Estamos em fase de expansão", acrescenta Machado, que já havia incorporado a seu grupo as editoras Civilização Brasileira e Bertrand Brasil. Na semana passada, dias antes da Bienal, o dono da Record partiu em viagem relâmpago para a Espanha. Todos concordam que, com a globalização, perdem terreno as empresas familiares. "Ou você adota uma prática profissional, ou não consegue mais concorrer. Nesse mercado não existe lugar para amadores", diz Carlos Augusto Lacerda, da Nova Fronteira, que tem como sócio o investidor Armínio Fraga, presidente do Banco Central. Em São Paulo, a Companhia das Letras se associou ao Unibanco. Nesse cenário, a participação do investidor estrangeiro é considerada quase inevitável. "A concorrência é avassaladora", afirma Lacerda.
A profissionalização crescente do setor também se reflete na oferta de novos títulos na Bienal. São 1.200 lançamentos – número impressionante, é verdade – , mas, diferentemente dos anos anteriores, os editores preferiram não queimar todos os seus cartuchos em um evento só. "Se você lança um número excessivo de títulos, eles acabam passando despercebidos", diz Lacerda, que está presente com as crônicas de Cecília Meirelles e reedições caprichadas de Guimarães Rosa, entre outras obras. Nem mesmo a Rocco, editora do presidente do Snel, está arriscando. O lançamento mais esperado do ano, o quarto volume das aventuras do bruxinho Harry Potter, só chega às livrarias em 18 de junho, um mês depois da Bienal do Rio.
X BIENAL DO LIVRO, Riocentro, Avenida Salvador Allende, 6555, Jacarepaguá, 442-1300. De 17 (quinta) a 27 de maio. 12h/22h (qui.), 9h/23h (sex.), 10h/23h (sáb.), 10h/22h (dom.). 9h/22h (de 21 a 24 de maio), 9h/23h (25 de maio), 10h/23h (26 de maio) e 10h/22h (27 de maio). R$ 6,00 e R$ 3,00 (estudantes). Entrada franca para crianças com menos de 1,20 m. Estacionamento a R$ 5,00.
LEIA [+]
Comentários
Postar um comentário